(história em quadras com métrica, mas sem rimas)
Houve um sábio do passado,
cujo nome é Aristóteles,
que falando da amizade,
compôs frase lapidar:
“Você sabe o que é um amigo?
É uma alma em dois corpos.”
Esta frase foi verdade
entre Pítias e Damão.
Amigos inseparáveis
eram eles desde a infância.
Tudo um fazia ao outro
do fundo do coração.
Ambos eram seguidores
de Pitágoras, filósofo.
Indo então a Siracusa,
sua amizade foi provada.
Pítias discursava em público,
afirmando: “Homem algum
poder sem limites pode
exercer sobre um outro.”
Completando o pensamento,
afirmava ser injusto
todo rei que era tirano.
Isto irou Dionísio.
Este, o rei de Siracusa,
chamou Pítias e Damão,
recriminando o primeiro
por deixar o povo inquieto.
Pítias afirmou ao rei
que apenas a verdade
havia em suas palavras,
não havendo erro nisso.
Dionísio retrucou:
“Mas sustenta tua verdade
ser demais o meu poder
e que más são minhas leis!”
Ao rei, Pítias respondeu:
“Se exerces teu poder
sem a permissão do povo,
o que falo é verdade.”
“Traição!”, gritou Dionísio.
“Conspiras pra me depor!
Retira tuas palavras
ou a morte encontrarás!”
“Mantenho o que eu disse”,
respondeu o jovem Pítias.
E o rei deu sua sentença:
“Então te condeno à morte!”
Antes de o condenado
ser levado à prisão,
Dionísio perguntou-lhe:
“Tens um último desejo?”
“Sim, eu tenho”, disse Pítias.
“Ao meu lar deixe-me ir
despedir-me dos que amo
e negócios resolver.”
Com sarcasmo, Dionísio
riu do que pedira Pítias.
“Tu me julgas um injusto
e também um idiota!
Se saíres da cidade,
nunca mais eu te
verei!”
Damão, amigo de Pítias,
disse com firmeza ao rei:
“Deixe que o meu amigo
vá se despedir dos seus.
Fico eu em seu lugar.
Sou a sua garantia.”
Marguerite Yourcenar,
escritora consagrada,
afirmou que a amizade
é certeza, mais que tudo.
Damão tinha a certeza
de que Pítias voltaria.
Conhecida era a amizade
que os dois jovens unia.
Desconfiado, o rei
disse, sério, a Damão,
que se Pítias não voltasse,
sua morte era certa.
Ante a firmeza do jovem,
Aceitou o rei a oferta.
Pítias foi pra sua casa
e Damão para a prisão.
Os dias foram passando
e Pítias não retornava.
O rei, por curiosidade,
à prisão se dirigiu.
Esperava encontrar
o preso arrependido.
Por isso, ao encontrá-lo,
disse-lhe, escarnecido:
“Findando está o teu tempo.
Misericórdia não peças.
Tolo tu foste, meu jovem,
confiando em teu amigo.
Achaste que ele iria
sacrificar-se por ti
ou qualquer outra pessoa?”
E o rei sorriu com maldade.
No entanto, a confiança
de Damão não se abalou.
“Trata-se de mero atraso
ou de imprevisto na estrada.
Pítias vrá, eu confio,
só a morte o impediria
de cumprir sua promessa.
Assim, confiei-lhe mi’a vida.”
Dionísio admirou-se
de tão firme confiança.
Deixando Damão na cela,
“Veremos!”, disse sorrindo.
Chegando o dia fatal,
sem o retorno de Pítias,
Damão foi, então, levado
até o rei e o algoz.
“Não retornou o teu amigo”,
disse o rei co’ironia.
“’Inda o julgas amigo?
Estás tu arrependido?”
Sereno e firme, Damão
ao rei Dionísio falou:
“Continuo confiando
que Pítias é meu amigo.”
Tão logo estas palavras
pelo salão ecoaram,
as portas foram abertas.
Cambaleando entrou Pítias.
Ferido, pálido, exausto,
caiu nos braços do amigo.
“Graças aos deuses tu vives!”,
arfante disse a Damão.
Tudo parecia estar
conspirando contra nós.
De naufrágio eu fui vítima,
na estrada, assaltado.
Porém, não perdi a esperança
de vir salvar tua vida,
mais valiosa que a minha,
meu grande e leal amigo.”
E voltando-se ao rei,
Pítias virilmente disse:
“Eis-me de volta, Dionísio,
pronto a enfrentar a morte!”
A certeza de Damão
e de Pítias as palavras
desvelaram de Dionísio
os olhos e o coração.
“Revogo minha sentença!”,
disse o rei, admirado.
“Justa é a liberdade
que concedo-a a vós.
Vejo o quanto errado estava
no meu injusto agir.
Jamais vi numa amizade
tanta fé e lealdade.
Peço-vos, porém, um auxílio:
permaneçam nesta corte,
sejam vós meus conselheiros.
Se possível, meus amigos.”
Esta história aconteceu
num passado bem distante
e na memória ainda vive
dos que têm fé na amizade.
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