A HISTÓRIA DE ZÉ



O seu nome era Zé
e habitava em um livro.
Só sentia estar vivo
quando alguém o livro lia.

Sempre que isso acontecia,
pelas páginas abertas
procurava ver o mundo
em que vivia o leitor.

E o mundo que ele via
encantava-lhe os olhos
e sua imaginação,
sonhando em lá viver.

Ao contrário da história
em que sempre ele vivera,
onde tudo era igual
e o tempo não passava,

o mundo que vislumbrava
em mudança sempre estava,
assim como os leitores,
que cresciam, envelheciam.

Sua alegria terminava
quando o livro era fechado.
Sumia o esterno mundo
e a treva o envolvia.

Certo dia um milagre
em sua vida aconteceu:
Zé encontrou-se no mundo,
fora do livro ele estava.

Como deu-se este fato
não o soube explicar,
mas sentia em sua vida
que tudo era real.

Logo o encanto transformou-se
em profunda aflição,
pois ninguém o conhecia
e em necessidade viu-se.

Em sua primeira noite,
dormiu ele ao relento,
experimentando o frio
e o que era fome e sede.

Não sabia saciar
o que seu corpo pedia
e sem saber o porque
seu corpo pôs-se a chorar.

Viu saindo de uma casa
uma jovem com seus pais
e logo a reconheceu
como a última leitora.

Esta, ao olhar o Zé,
chamou a atenção dos pais
para aquele rapazinho
que chorava em convulsão.

Foi levado para dentro
do lar daquela família
que lhe deu o comer,
cercando-o de atenção.

A história que contou
pareceu aos seus ouvintes
irreal e tresloucada,
porém não quem a contava.

O rapaz estava lúcido,
demonstrando equilíbrio,
e falava com firmeza,
tendo fé no que dizia.

Enquanto contava ele
a sua história incrível,
sentiu os olhos pesarem
e o corpo indomável.

Quando acordou, mais tarde,
encontrou-se em uma cama,
entre lençóis tão macios
como nunca antes sentira.

A família empreendeu
uma busca muito intensa
para descobrir a origem
do menino que abrigara.

Lento foi passando o tempo;
lento, porém sem parar.
Sobre a vida de Zé
nada pode ser achado.

E assim permaneceu
o jovem naquela casa,
acolhido em família
como verdadeiro filho.

Foi mandado à escola,
conheceu novos amigos
e aos poucos esqueceu-se
do mundo de onde viera.

Foi crescendo o nosso Zé,
tornou-se o senhor José.
Após se apaixonar,
com uma jovem casou.

Sua maior alegria
teve na paternidade.
Os filhos deram sentido
mais intenso à sua vida.

Num almoço de domingo
com esposa, filhos, netos,
sentiu apertar-lhe o peito
e o ar como a faltar-lhe.

Neste instante derradeiro
recordou de onde viera,
de um mundo sempre igual
e onde o tempo não passava.

Se não lhe acontecesse
de quedar-se neste mundo,
estaria ainda jovem
e quiçá seria eterno.

Pôs-se, então, a recordar
sua vida neste mundo,
tudo pelo qual passara,
tudo aquilo que sentira.

Lembrou-se de sua família,
da qual filho se tornara,
dos amigos que fizera
ao ingressar na escola.

As pessoas que o ensinaram –
professores e outros mestres –
o trabalho que aprendera
do qual viera o seu sustento.

Quantas viagens fizera!
Que beleza esta terra!
Que culturas tão diversas!
Quantos povos tão distintos!

O amor que conhecera
uniu-o à sua mulher
e descobrira a unidade
de duas vidas num casal.

Do amor à sua esposa
surgiu vida bem maior:
os dois geraram filhos
que seus nomes guardariam.

Sentia Zé que sua vida
de seu corpo lhe escapava,
que seu fim estava próximo,
que era um ser mortal.

Porém não se arrependeu
de sair daquele livro,
desde então ele vivendo
como simples ser humano.

Fechado entre duas capas,
sua vida estagnara.
Aberta sua vida ao mundo,
a vivera plenamente.

O seu último suspiro
de um sorriso acompanhou-se.
E ao cerrar pra sempre os olhos,
envolveu-o uma luz.

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